Originada em 2004, a partir do documento Who Cares Wins criado pelo Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) em parceria com o Banco Mundial, a sigla ESG (Environmental, Social and Governance) representa um estímulo para que, cada vez mais, as empresas adotem medidas que gerem impactos ambientais, sociais e de governança positivos.
No contexto ambiental, as práticas ESG buscam atrair a atenção das empresas para os efeitos que suas atividades podem causar no meio ambiente, sendo abordados temas como (i) produção sustentável, (ii) gestão de resíduos, (iii) poluição atmosférica e (iv) fontes de energia. O âmbito social, por sua vez, foca na relação das empresas com os consumidores, clientes e funcionários, devendo ser tratados, a título exemplificativo, (i) direitos humanos, (ii) direitos trabalhistas, (iii) diversidade e (iv) proteção de dados. Por fim, quanto à governança, busca-se a implementação de processos que observem princípios éticos, como (i) transparência fiscal e (ii) programas de integridade corporativa.
Em 2020, o tema se tornou ainda mais relevante em razão, dentre outros fatores, da publicação feita pela União Europeia de um sistema de classificação (EU Taxonomy) que visa auxiliar investidores e empresas a estabelecerem bases para implementação de uma economia sustentável, que produza impactos positivos no clima e meio ambiente.
No Brasil, profissionais de diversas áreas, especialmente do mercado financeiro, apontaram, no início do ano, o tema ESG como a grande aposta para 2021. E não tem sido diferente. Apesar de ser novidade no país e das dificuldades econômicas enfrentadas por empresas de quase todos os setores da economia, em decorrência da pandemia ocasionado pelo novo coronavírus (COVID-19), nos últimos meses surgiram diversas iniciativas voltadas para questões ambientais, sociais e de governança, sendo que muitas das já existentes cresceram exponencialmente, melhorando a qualidade e ampliando o alcance dos impactos positivos.
Nesse contexto, e voltando-se para o âmbito tributário, cabe destacar importante julgamento concluído pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 08/06/2021, em que foi analisado o Recurso Extraordinário nº 607.109/PR (Tema 304), em sede de repercussão geral, e restou fixada a seguinte tese: “São inconstitucionais os arts. 47 e 48 da Lei 11.196/2005, que vedam a apuração de créditos de PIS/Cofins na aquisição de insumos recicláveis”, nos termos do voto do Ministro Gilmar Mendes, Redator para o acórdão (ainda não publicado).
Em apertada síntese, contrariamente aos princípios ESG, o artigo 47 da Lei nº 11.196/2005 veda a possibilidade de crédito da Contribuição ao PIS e da COFINS, apurados no regime não cumulativo, nas aquisições de desperdícios, resíduos ou aparas de plástico, de papel ou cartão, de vidro, de ferro ou aço, de cobre, de níquel, de alumínio, de chumbo, de zinco e de estanho e demais desperdícios e resíduos metálicos do Capítulo 81 da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI).
O artigo 48 da referida Lei, por sua vez, suspende a incidência da Contribuição ao PIS e da COFINS no caso de venda de desperdícios, resíduos ou aparas de que trata o artigo 47 da Lei, para pessoa jurídica que apure o Imposto de Renda (IRPJ) com base no lucro real, salvo se as vendas forem efetuadas por pessoa jurídica optante pelo Simples Nacional.
Ainda que, ao editar os supracitados artigos, o legislador tenha visado beneficiar os catadores de papel, conforme apresentado pelo Ministro Gilmar Mendes, ou produzir uma neutralidade fiscal, conforme defendido pela Fazenda Nacional, na prática, as empresas que utilizam materiais recicláveis foram penalizadas, tendo em vista que a previsão legal torna a atividade destas mais onerosa do ponto de vista tributário, em comparação aos materiais procedentes de indústrias extrativistas.
Isso porque, via de regra, nos termos das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, que regulamentam o regime não cumulativo, as pessoas jurídicas submetidas a esse regime geram crédito de PIS/COFINS à alíquota de 9,25% na aquisição de insumos, independentemente de isenção em etapa anterior ou incidência das Contribuições pela alíquota de 3,65% no regime cumulativo. Dessa forma, com a introdução dos artigos 47 e 48, verifica-se que, na prática, quase sempre o vendedor dos insumos deixa de recolher 3,65% de PIS/COFINS e o adquirente deixa de apurar e utilizar créditos de 9,25% destas Contribuições, afetando diretamente a opção por estes fornecedores.
Com o advento dos citados artigos, passou a ser mais vantajoso a aquisição de insumos de empresas que extraem os materiais diretamente da natureza, em detrimento aos materiais de empresas que vendem insumos recicláveis, sendo constatado o tratamento tributário prejudicial às atividades econômicas sustentáveis.
À vista disso, ao proferir seu voto, o Ministro Gilmar Mendes defendeu que a legislação, ao instituir os referidos artigos na Lei nº 11.196/2005, provocou graves distorções no sistema tributário que acabam por desestimular a compra de materiais reciclados. Adicionalmente, o Ministro afirmou que as consequências são ainda piores quando a parte vendedora é optante pelo Simples Nacional, uma vez que, não estará isenta ao recolhimento das Contribuições em questão e a parte compradora não poderá apurar créditos, ocorrendo a elevação da carga tributária total, que corresponderá ao somatório da Contribuição ao PIS e da COFINS devidas pelo optante do Simples Nacional e pelo adquirente, sem nenhuma possibilidade de compensação.
Assim, em observância ao princípio da isonomia tributária e à Constituição Federal, que em seu artigo 170 visa a proteção do meio ambiente, da livre concorrência e da busca do pleno emprego, os artigos 47 e 48 da Lei nº 11.196/2005 foram julgados inconstitucionais e os contribuintes poderão apurar créditos de PIS/COFINS na aquisição de insumos recicláveis.
Aqui, relembra-se que dentre as práticas ESG estão aquelas relacionadas ao meio ambiente, sendo o “E” da sigla traduzido como ambiental (Environmental), e, nesse contexto, almeja-se o desenvolvimento de atividades empresariais que causem impactos ambientais positivos e busquem formas de preservação do ecossistema, através, por exemplo, da implementação de meios de produção/industrialização sustentáveis.
Nesse ponto, verifica-se que o STF, ao declarar a inconstitucionalidade dos artigos 47 e 48 em questão, estimula empresas de diversos setores, que buscam se adequar às diretrizes ESG, a realizar a aquisição de insumos através da compra de materiais reciclados ou recicláveis, tais como desperdícios, resíduos ou aparas de plástico, de papel ou cartão, de vidro, de ferro ou aço, sem qualquer penalização financeira na ótica tributária. Isso porque, o contribuinte submetido ao regime não cumulativo poderá apurar créditos de PIS/COFINS, assim como ocorre na aquisição de insumos extraídos diretamente da natureza que, por sua vez, causam impactos negativos ao meio ambiente.
Destaca-se que referido julgado apresenta perspectivas interpretativas modernas do ponto de vista da Constituição, que estão alinhadas aos princípios ESG, e representa um importante passo para que grandes produtores iniciem cadeias produtivos sustentáveis, a partir da aquisição de insumos ecologicamente corretos.
O voto do Ministro Gilmar Mendes foi acompanhado pelos Ministros Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Luiz Edson Fachin, Luiz Fux, Nunes Marques e Ricardo Lewandowski; vencido o Ministro Alexandre de Moraes e, parcialmente, os Ministros Rosa Weber (Relatora), Marco Aurélio e Dias Toffoli.
Tratando-se de uma das primeiras teses em que o Direito Tributário e o Direito Ambiental são enfrentados simultaneamente pelo STF, a expectativa é que, em outras oportunidades e em consonância às práticas que vêm sendo adotadas pela sociedade em atenção à ESG, o Supremo Tribunal também se manifeste de modo favorável aos contribuintes e à preservação do meio ambiente.
Posto ser um tema que será cada vez mais abordado pelas empresas, a equipe tributária da Tax Performance se coloca à disposição para quaisquer esclarecimentos necessários.